junho 16, 2015

Christina Búrigo Bressan: Nas margens de nós


Beirando a escada do sétimo andar, ouço barulhos de pegadas como se alguém estivesse me seguindo. Subo mais três degraus até ter coragem de olhar para trás, e para a minha surpresa, era apenas Germano - morador do segundo andar, com fama de conversar com seus gatos e tartarugas como se fossem pessoas, além de ter um gosto peculiar para seus vestes: usa meias coloridas até o joelho, camisas com estampas berrantes e vive mascando seu chicle de banana. Olho para ele assustada e logo pergunto:

- Germano, qual foi a ideia que tu teve em me seguir agora? Te fiz alguma coisa?

- Dona Delilah, eu só queria te pedir um punhado de açúcar pra tomar o meu chá.

Minha vontade foi de enfiar a cara em um cantinho qualquer daquele prédio nesse momento, mas sutilmente, o convidei para tomar chá em minha própria cozinha. Ele aceitou sem hesitar, e lá fomos nós a procura de erva doce e gengibre - um segredo que ainda não contei: sou colecionadora de ervas e raízes. Sentamos a beira da sala de estar e o questionei:

- Tu não te sentes estranho em se vestir dessa forma? Não que eu não goste, mas digamos que teu gosto é meio exótico.

Ele deu uma gargalhada e logo me disse:

- Mas ora! Por que eu teria vergonha de ser quem eu sou? Uso o que eu gosto, não me vejo de outra forma que não seja com minhas meias e minhas camisas estampadas.

Nesse momento parei para pensar em como temos o hábito “feio” de analisar as pessoas e de certa forma julga-las. Enchi nossas xicaras de chá com um toque de gengibre por cima, e acabei recebendo um elogio inesperado:

- Deves achar que não percebo, mas acho bonita a forma como tu encaras o mundo. Teu olhar distante esconde muita bondade. Só te aconselho a perceber como a essência de cada um é o que importa nessa vida. Sei que tu gostas de discos de vinis que outras pessoas nem fazem ideia que existam, sei que tu pintas o teu cabelo com esse vermelho sangue porque sabes que combina com a tua pele branquinha. Não importa se és baixinha, se adora usar tênis e batom escuro, são os teus gostos e as tuas escolhas que te tornam especial.

Por um segundo fiquei sem saber se agradecia, se o abraçava ou se simplesmente tomava um gole do chá quentinho. Naturalmente apenas sorri e convidei Germano para passear no parque. Ele colocou seu pacote de chicle de banana no bolso e arrumou sua camisa cheia de coqueiros no espelho. Eu apertei os cadarços de meu tênis, pus meu batom escuro e descemos pela escada cantarolando. Acabamos descobrindo nosso gosto em comum por Cartola, quando nossos lábios andaram com os mesmos movimentos ao soprar ‘’deixe-me ir preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar".

Christina Búrigo Bressan

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